Mohammad Mohiedine Anis (70) e a sua vitrola mecânica – Aleppo, Síria.
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Quero ficar só, deixar-me ao alcance do sossego
da própria intimidade tão dividida por razias
bombas arrasando tetos, o sono, o sexo, a escola
a água da cidade, a luz, o hospital e coisa e tal.
Zumbis, sou um deles, já sem nome e sobrenome
que um dia os tive, numa escala nobre os quis.
Quero estar com a música e o cachimbo, com os gritos
da infância aí fora jogando bola de pano, alheia ao dano
da guerra a infância, ou quase isso, não é nada disso
pois elas tudo percebem, e distanciam-se
da balança que pesa mortos e vivos, distanciam-se
dos discursos de quem ora, dos discursos que acabam
em riscos vindos do céu, onde Alá já não mora.
Quero estar só, na casa esburacada, na rua soterrada
de uma cidade que já não existe; mas, mesmo sem fé, teimosa
sob ferro e fogo, mesmo deitada, insiste em ficar de pé.
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Poema: Darlan M Cunha
Foto: Joseph Eid (Ag. France Press)