Dona MARIA – Luz entre luzes
na carta nº 111, de 13 de abril de 2019, no seu aniversário 87, a primeira frase já é uma pergunta, entre tantas que lhe fiz, faço e farei: O que dizer-lhe, se eu tanto tive e terei para dizer-lhe ? Pois é, o ano está nos seus últimos elos, passos e tropassos, tropeços e quedas, desequilíbrios fortes constam em sua boa e má trajetória, o mundo já não pode conter a sua própria avalancha, o seu soterramento global, sua visão está nublada, e até mesmo sem olhos estamos, de luto, a suicidade não se contenta com nada, não, a aldeia aumenta os próprios sons, livra do cárcere o respeito mútuo, desativa os rescaldos contra o grande incêndio, os preços das mais básicas necessidades não se pode alcançá-los com facilidade, no outro lado da aldeia ninguém sabe de mim, e neste bairro, nesta rua não há quem me deseje bom o dia, e ótimo o sono numa showciedade da qual ele foi banido, ninguém me olha no prédio onde me refugio do apetite roaz da aldeia, em vão, não se conhecem, e já nem eu me reconheço. Desistir é fora de questão.
Falando com a Senhora, não mudo o tratamento para a segunda pessoa do presente do indicativo, ou seja, mudar de lhe para tu. Bom, já que um ano tem 52 semanas, tem 52 domingos – e este é o último de mais uma etapa.
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Mãinha – joia perene
cada vez mais me lembro do quanto é recomendável que se olhe para o próprio umbigo, esquecendo-se do alheio. Fui ao velório de Marta, que trabalhou durante anos com a senhora, sempre contente, mas o câncer não é contente. Muitas coisas e fatos nos afligem, mas não falemos de percalços, falemos do meu irmão Márcio que após tanto tempo virá ao Brasil em 2020. Também sua neta Fá, e o marido Joaquim, e o casal de bisneta/bisneto Alícia e Anthony. Já estou sentindo o fuzuê, a fuzarca, a lambança nas nuvens, é isso aí, afinaremos as receitas e os instrumentos.
Mãe – doce de batata doce com coco, cravo e canela e leite de coco
comprei umas coisinhas para a Senhora, que nada me pede, ou nos pede, mas distribui a granel, no atacado e no varejo, tudo o que há nos seus mil e um silos e armazéns de secos e molhados que a Senhora guarda no coração de puro sentimento, até mesmo para quem não é parente ou vizinha/o. E assim vamos ao 2020, já o vejo radiante, e o Povão, enfim, desperto do marasmo, de caminhar nas nuvens, chega de fútilbol & noivelhas, de repetir que não há caminho…
Mãinha – rio limpo e nuvem alva
vou me despedir, mas antes já lhe digo que marquei com Equipe de gente amiga aquela pequena cirurgia para a Senhora, em maio, a pedido da Senhora. Agora, neste domingo em Nova Lima // Rio Acima, vou a outro café, mais tarde, a uma vodka com água de coco e gelo. Ganhei tantos presentes que acho que dá para montar um brechó (linda palavra: Brechó)… hehehe.
Beijo e abraço de seu filho quase analfabeto, meio desmiolado, mas bom garoto.
DARLAN
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Fotos e texto: Darlan M Cunha
MERCEDES SOSA. Gracias a la Vida (autora: VIOLETA PARRA, 1917 – 1967, Chile): https://www.youtube.com/watch?v=jgjAOk6BX8g