De outros

Dylan Thomas

Gostava e fazia, de fato. Eu era um solitário andarilho noturno e um viciado em esquinas. Apreciava andar pela cidade úmida depois da meia-noite, quando as ruas estão desertas e as luzes apagadas nas janelas, sozinho e atento nos trilhos da High Street morta e vazia ao luar, gigantescamente triste na rua molhada perto da fantasmal capela Ebenezer. E jamais me senti tanto uma parte intrínseca do remoto e onipresente mundo, ou mais cheio de amor, arrogância, piedade e humildade, não somente por mim mas pela terra viva na qual eu sofria e pelos inexoráveis sistemas no espaço exterior, Marte e Vênus, Brazell e Skully, homens na Clin e em St. Thomas, moças esquivas e moças permissivas, soldados, rufiões e policiais, sagazes e suspirosos compradores de livros de segunda mão, mulheres más, mulheres maltrapilhas que se encostavam na parede do museu em troca de uma xícara de chá e mulheres perfeitas, inacessíveis mulheres das revistas de moda, mais de dois metros de altura, deslizando vagarosamente em suas insípidas e lustrosas criações, através do aço, do vidro e do veludo. Eu me arrimava ao muro de uma casa abandonada nas áreas residenciais ou errava pelos cômodos vazios, parava aterrado na escada ou olhava esgazeado pelas janelas quebradas o mar ou o nada, e as luzes se apagavam uma a uma nas avenidas. Ou então perambulava numa casa semiconstruída, com o céu aparecendo no telhado e gatos na escada de mão e um vento sacudindo o esqueleto nu das camas.

Dylan Thomas. Retrato do Artista Quando Jovem Cão.

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Mais Depressa Se Apanha Um Cão Que Um Buendía, por Melquíades

O Cão é sem dúvida o Porco que mais lê. O Cão leu o Ulisses (não a bagatela do Homero, mas sim o calhamação de 842 páginas do Joyce), leu o Proust e não deu o tempo como perdido e, desconfio eu que até os 3 volumes do Homem Sem Qualidades do Musil, o homem leu. Já era assim no liceu, o Cão. Não só era o que mais lia, mas o que lia com mais qualidade. Mais avant gard. Quando aí, eu me aventurava ainda pelos juvenis Steinbeck e Hemingway, já o Cão se abalançava a um Cem Anos de Solidão e a um Retrato do Artista Quando Jovem Cão. […]

Tirado do Blog Tapornumporco

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Poema

Eu não quero o teu corpo

eu não quero a tua alma

eu deixarei intato o teu ser a tua pessoa inviolável

eu quero apenas uma parte deste prazer

a parte que não te pertence.

JOAQUIM CARDOZO

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livro livra livre ria

SEIVAS:

1. Grande Sertão: Veredas (João Guimarães Rosa)

2. Dom Quixote da Mancha (Miguel de Cervantes)

3. As Ondas (Virginia Woolf)

4. Crime e Castigo (Fédor Dostoiévski)

5. Os Irmãos Karamazóvi (Fédor Dostoiévski)

6. Viva o Povo Brasileiro (João Ubaldo Ribeiro)

7. O Aléf (Jorge Luís Borges)

8. Homens e Ratos (John Steinbeck)

9. Os Cantos (Ezra Pound)

10. Divina Comédia (Dante Alighieri)

11. O Nome da Rosa (Umberto Eco)

12. O Código de Hammurabi

13. Os Sertões (Euclides da Cunha)

14. Casa Grande & Senzala (Gylberto Freyre)

15. Toda Poesia (Ferreira Gullar)

16. Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis)

17. Avalovara (Osman Lins)

18. Macunaíma (Mário de Andrade)

19. A Ratazana (Günter Grass)

20. O Linguado (Günter Grass)

21. Fausto (Johann Wolfgang von Goethe)

22. Viagem ao Brasil (Von Spix – Von Martius)

23. A República (Platão)

24. A Arte da Guerra (Sun Tzu)

25. Os Lusíadas (Luís Vaz de Camões)

26. O Processo (Franz Kafka)

27. A Legião Estrangeira (Clarice Lispector)

28. Rayuela (Julio Cortázar)

29. Herzog (Saúl Bellow)

30. Madame Oráculo (Margareth Atwood)

31. O País das Neves (Yasunari Kawabata)

32. A Morte em Pleno Verão (Yukio Mishima)

33. O Povo Brasileiro (Darcy Ribeiro)

34. Tipos Psicológicos (Carl Gustav Jung)

35. Um Copo de Cólera (Raduan Nassar)

36. Lavoura Arcaica (Raduan Nassar)

37. O Exército de um Homem Só (Moacyr Scliar)

38. Decameron (Giovanni Boccacio)

39. As Cidades Invisíveis ( Ítalo Calvino)

40. O Castelo dos Destinos Cruzados (Ítalo Calvino)

41. A Jangada de Pedra (José Saramago)

42. Memorial do Convento (José Saramago)

43. Martim Cererê (Cassiano Ricardo)

44. Rtusamhara (Kalidasa)

45. A Revolução das Mulheres / A Greve do Sexo (Aristófanes)

46. Ópera dos Mortos (Autran Dourado)

47. Geopolítica da Fome (Josué de Castro)

48. Museu de Tudo (João Cabral de Mello Neto)

49. Pedro Páramo (Juan Rulfo)

50. Elogio da Loucura (Erasmo de Rotterdam)

51. Obra Completa de Hilda Hilst

52. Girassol do Espanto (Telmo Padilha)

53. O Inominável (Samuel Beckett)

54. O Dicionário do Diabo (Ambrose Bierce)

55. Viagem a Andara (Vicente Franz Cecim)

56. Quarup (Antônio Callado)

57. Lunário Perpétuo (Almanaque Popular)

58. O Pássaro Pintado (Jerzy Kosinski)

59. O Romance da Pedra do Reino (Ariano Suassuna)

60. A República dos Sonhos (Nélida Pinõn)

61. Pedra do Sol (Octávio Paz)

62. A Paixão Segundo GH (Clarice Lispector)

63.  Peer Gynt (Henrik Ibsen)

64.  I CHING

65. Os Bolcheviques (Adam B. Ulam)

66. História Universal da Infâmia (Jorge Luís Borges)

67. A Paixão (Jeanette Winterson)

68. Civilização e Cultura – 2 vol. (Luís da Câmara Cascudo)

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Tive, com todos, o que dizer, o que calar.
(recordo-me destes livros no Dia Mundial do Livro: 23 de abril)

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abaporu

[…] O hall de entrada estava repleto. De italianos. Todos alinhadíssimos. E no meio de todos, ele. Pronto ! Em questão de minutos, toda aquela segurança que sentia acabou. A perna bambeou e na tremedeira penso em voltar para casa. – Tá Doida ! Disse-me a colega. Você me faz matar aula, sair debaixo de chuva, entrar aqui na cara-de-pau e agora que o homem chega você quer ir embora ?

Ela estava certa. E eu, demasiadamente nervosa, pego a primeira taça de vinho oferecida pelo garçom para ver se relaxava um pouco. […]

E no Palácio das Artes, uma sombrinha abandonada aguarda por sua dona que, sozinha em seu quarto, com um sorrizinho bobo no rosto, pensa no seu sexto sentido. Nele e no seu platoníssimo “amore”.

LAURA MEDIOLI. Sexto Sentido (Jornal Pampulha, Belo Horizonte, 09.05.2007)

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PRAÇA DA LUZ

O inverno escreve em maiúscula

sua barriga circense.

Namorados sem ritmo povoam o espaço

onde gengivas conspiram e chefes de família

promovem abafadas transações.

Um marreco aproveita a audiência

e se candidadta a senador. Anjinhos

cacheados esvoaçam flâmulas

e hemorróidas, corpos horrendos se tocam.

Uma gargalhada despenca do cabide:

marcial

um cortejo de cabides inaugura

o espantoso baile dos seres.

CACASO. Beijo na Boca e outros poemas

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Platero e Eu

JUAN RAMÓN JIMÉNEZ (1881-1958, Espanha)

Al centro rayeante

Tú estás entre los cúmulos
oro del ciel azul
[…]

dios deseante y deseado;
estas formas que llegan al cenit
sobre el timón, adelantadas, y acompasan
el movimiento escelso, lento,
insigne cabeceo de una proa,
[…]

Tú vienes con mi norte hacia mi sur,
tú vienes de mi este hacia mi oeste,
tú me acompañas, cruce único, y me guía
entre los cuatro puntos inmortales,
dejándome en su centro siempre y en mi centro
que es tu centro.
[…]

***

Eu não voltarei. E a noite
morna, serena, calada,
adormecerá tudo, sob
sua lua solitária.
Meu corpo estará ausente,
e pela janela alta
entrará a brisa fresca
a perguntar por minha alma.

Ignoro se alguém me aguarda
de ausência tão prolongada,
ou beija a minha lembrança
entre carícias e lágrimas.

Mas haverá estrelas, flores
e suspiros e esperanças,
e amor nas alamedas,
sob a sombra das ramagens.

E tocará esse piano
como nesta noite plácida,
não havendo quem o escute,
a pensar, nesta varanda.

***

Toma lá que isso passa.

É encantador prestar um serviço a quem não conhecemos

ou a quem não tenha nada a ver connosco, permite-nos vislumbrar paraísos divinos e velados. Além disso: no fundo, todas as pessoas, ou pelo menos quase todas as pessoas têm alguma coisa a ver connosco. As pessoas que passam por mim têm alguma coisa a ver comigo, isso é claro. É uma questão privada. Vou por aí, o sol brilha, vejo de repente um cão que gane aos meus pés. Noto logo a seguir que o animalzinho de luxo ficou com a pata presa no açaime. Já não consegue andar. E eu baixo-me e logo remedeio o grande, grande infortúnio. Aproxima-se agora marchando a dona do cão. Compreende o que se passou e agradece-me. Tiro veloz o chapéu à senhora e sigo o meu caminho. Ah, e ela pensa agora que ainda há jovens bem educados no mundo. Pois bem, neste caso prestei um serviço a todos os jovens em geral. E como a mulher, de resto nada bonita, então sorriu. «Obrigada, meu senhor.» Ah, promoveu-me a senhor. Quando sabemos comportar-nos somos promovidos a senhores. E quando agradecemos a alguém, respeitamos essa pessoa. Quem sorri é belo. Todas as mulheres merecem ser cortejadas. Todas as mulheres têm qualquer coisa de refinado. Tenho já visto lavadeiras com o porte de raínhas. Tudo isto é tão estranho, oh, tão estranho. Mas como brilhava o sol então, e como eu fugi dali! – Para o armazém, para ser concreto. Vou lá tirar o meu retrato, Herr Benjamenta quer uma fotografia minha. E depois tenho ainda de escrever um curriculum vitae abreviado e fiel à verdade. Para isso preciso de papel. E assim tenho o prazer acrescentado de entrar numa papelaria.

“Jakob von Gunten – um diário”, de Robert Walser, tradução de Isabel Castro Silva, Relógio d’Água, páginas 24 e 25
Trazido daqui:
http://last-tapes.blogspot.com/2005_05_22_archive.html

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A educação pela pedra

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.

(MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 21.)

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