Carta à Mãe – n. 308

Digam-me, minhas amadas e meus caros: O que é que eu, um cisco, tenho mais a dizer ou fazer, senão babar e até chorar ?

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CARTA PARA Dona MARIA JOSÉ

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Mãe,

Hoje, segundona brava, dia predileto de uns, a partir do qual o Povão vai à luta, ou continua na lida, eu amanheci com a macaca, como se diz, e assim é que, café em punho, música, olhar de ócio descabido, dedinho do pé esquerdo com os ossinhos deslocados, devido a uma topada com a pesadíssima cama, cá estou, para lhe dar notícias e evitar – se eu puder – as notícias de sempre com aumentos daquilo e disso, e de mais isso e aquilo, hehe, só rindo para que eu mesmo não me interne na digna Pinel, por exemplo.

Dona MARIA, minha salina de onde retiro o sal para a luta cotidiária

eu fico pensando – e olha que pensar dói – no tamanho das suicidades nas quais vivemos, já quase todos mundo afora, andamos e viajamos, sabemos do que aqui se fala, e é notório que em breve as últimas aldeias pequenas, que hoje já são raras, serão comidas pelas monstrópoles, haverá uma só aldeia ainda mais gigante, de maneira que, num domingo ou feriado, para se ir à casa de uma das vovós e de um dos vovôs, terá de enfrentar umas três horas de lotação ou coletivo. Barbaridade. Mas Vó é Vó. Não irei, por não tê-las mais ao alcance de um abraço.

Tenho a Senhora, MÃINHA, cadarço que me amarra os sapatos, os calos, e me abre o pouco juízo

para me conduzir pelos mil e um labirintos cotidiácidos, cheios de minotauros e de outras bestas humanas. Afe! Ontem, saí para umas compras, assobiando águas de março, lá fui eu, alegre que nem um coelho quando noivo, sim, é verdade, só a Senhora me conhece de fato, além de eu mesmo, e assim me vi diante das bancas de mil tipos, seus proprietários algo macambúzios, ou tristes, porque os preços estão saltando mais do que canguru, e assim vendem cada vez mais caro, e para menos pessoas – e aqui é que que está o X da questão, lembrando aqui esse título de uma música do Noel Rosa.

Trisavó MARIA JOSÉ, meu cantinho de algodão, meu violão só música top

em abril a Senhora vai completar 91 anos, sendo que Nos 90, aí nos EUA, a Família imensa e muitos amigos e amigas desta Nação fizeram uma festa de dois dias, até porque, querida e respeitada como a Senhora é, todos e todas se lembraram que não é todo dia que a gente completa 90 anos, andando, rindo, cantando, sem diabetes, sem bengala, nenhuma cesária nos 10 partos, e por aí vai, sem contar nos rapazes lindos trabalhadores que se foram – e a Senhora, fortíssima, não enlouqueceu, não esmoreceu. Um espanto.

MÃE É MÃE, há mil anos digo isso, e me cumpro como filho meio relapso, mas…

pois é. A situação política está feroz, como não poderia ser de outra forma, se quisermos reajeitar a visão, reapurar o olfato e reconstruir as glândulas e os órgãos corporais da grande nação. Há cegos e cegas demais. A comida desce lenta, quase de todo amarga, isso se diga de quem tem feijoão, sim, feijoão com arroz. Devagar, tudo terá de se ajeitar. O Mundo, sem o Brasil, vendendo e comprando e opinando duro nas mesas internacionais, o Mundo é algo assim parecido com o que o filósofo alemão Friedrich Nietzsche disse a respeito da Música: “Sem música a vida seria um erro.” E mais eu não digo.

Mãe de todos os prantos e de todos os muitos sorrisos familiares, doce de leite com coco ralado

vou me despedir, mas não sem antes dizer que o bambuzinho do qual a Senhora cuida há uns 35 anos, continua verde e teimoso que é uma beleza, ponho água em dias alternados. Fique tranquila, o barraco está brilhando – umas baratinhas renitentes por aí, formiguinhas no açúcar, enfim, coisa pouca. Matarei todas com um par de sapatos femininos bico fino que comprei num brechó. É calçar e atuar.

Beijos e abraços do tipo Anéis de Saturno para a Senhora, e para a molecada aí, deitando e rolando com a destemida e risonha Vovó. Mais e mais lembranças deste filho meio desmiolado, quase analfabeto, mas bom garoto

DARLAN

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