CARTA À MÃE, N. 301

Assim foi…

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Assim foi…

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CARTA À MÃE n. 301

Dona MARIA – chão de estrelas, teto de bondades

Mais uma vez eu me espanto pelos seus 90 anos completados em abril passado, e me orgulho pela altivez serena com que a Senhora levou e leva a vida, exemplos atrás de exemplos, e eu não aprendo a ser gente, isso me dá nos nervos, Mãe, sempre alegre, sem doença nenhuma, cheia de filhos e netas, bisnetas e trinetas, e mil e uma amigas sempre perguntando como se faz este ponto de croché, e aquele de tricö, e como a Senhora consegue dar uma liga tão boa no doce de coco, e no pé de moleque, as gavetas arrumadas, a casa limpa, e nem sombra de empregada… e por aí vai, sim, e essa couve, e esse frango ensopado, pirão.

MÃINHA, meu rumo no seio do mundo, minha laranjada

Uma cigana disse-me que não serei feliz, que nenhuma virtude será capaz de me ter e levar a outro engano, que não ao dela. Disse-me que não se pode ter e saborear o que não existe, e que água hostil é a lágrima, sim, hostil, mais do que sutil, hostil, mas ela também disse que o choro é bom, porque ele nos redime, nos conforta, nos alivia, ela disse, redisse tudo isso das lágrimas. A cigana acertou em cheio, na mosca, no fundo, tanto que eu continuo tão infeliz que vivo rindo para e do mundo vasto mundo, e sei que a Senhora sabe disso, hehe… só rindo.

Pois é, Dona MARIA JOSÉ, luz entre luzes, veios de mina cheia de diamantes

Já nem direi nada mais acerca dos preços em todos os lugares do mundo, também aí nos EUA, onde a Senhora foi passar os 90 anos com a imensa Família que mora aí há muitos anos. Preços nas nuvens, e eu fui comprar umas coisinhas, ontem, e vi um quilo de tomates duros, bem cheios de venenos, que a patifaria chama de “insumos básicos” ou “fertilizantes“, por R$17,99, arregalei o sobrolho, e comecei a chorar em altos brados, lá no seio do supermercado, e o Povão sem saber o que fazer comigo, e nem eu, e alguns já queriam me levar para um hospital. outros para a Pinel, outros até mesmo me dar uns tapas na orelha, para que eu talvez (“Ah, isso deve tá cheio de maconha… esses malandros de hoje“), sim, eu ouvi tudo isso, enquanto berrava e chorava e esperneava, dando um escändalo danado lá no meio do supermercado imenso, uma confusão do outro mundo, eu berrando e reclamando, xingando mil palavrões, ameaçando e chorando que nem uma criança fazendo pirraça, enfim, um espanto, porque os preços, MÃE, agridem a gente, a Senhora sabe. O fato é que voltei para casa, desolado, ofendido e humilhado (ao modo de Dostoiévski), bebi uma boa dose de vodka com água de coco, sentei-me, liguei a grande tela, para ver e ouvir mais notícias tristes. Que mundo, Mãe ! MAS, vamos que vamos, sem deixar a peteca cair – como a Senhora sempre diz, sempre diz.

Minha MÃE QUERIDA, ESTELAR, ÁGUA de BICA

vou me despedir, saudoso, vou lavar roupas de cama, preparar feijão preto com bacon, arroz vermelho, uma saladinha. Um beijo do tamanho do sol, um abraço do tamanho do universo, deste filho meio desmiolado, quase analfabeto, estudado por uma cigana, meio desmiolado, mas bom garoto

DARLAN

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