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by Múcio Matos Cunha [1954-1983]: Minas dos Inconfidentes

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Os afogados reaparecem de vez em quando, cabelos feito algas esparsas, dizem algo ameno, até mesmo fazem graça, habituados ao silêncio, mas, uma vez que novamente entre os seus, agem assim como quem revive a primavera ou o verão, até mesmo o inverno e ou o outono – aquela estação das folhas no chão, o que é incomum num país tropical. O fato é que as pessoas que se foram reaparecem de vez em quando, e o dia dos vivos torna-se outro.

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by Múcio Matos Cunha [1954=1983]: Mãe

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Manias todos temos, hábitos arraigados que não admitem contras. Morro velho é uma música, mas os morros estão à vista geral, de quem tenha ou não tenha o que ganhar, ou de não ter sequer o que perder [o que seria a vida sem contrastes de algodão e cruzes, ecos de mistérios, e assim é que se vai mundo afora – do sal à cal, até à desconhecida varanda. Viver noite alta ou sol de meio-dia, os pés e as mãos sabem das coisas, abrem caminhos.

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… é o projeto da casa / é um corpo na cama / é o carro enguiçado / é a lama, é a lama. [TOM JOBIM, Águas de Março]

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Algumas vezes ao dia vou até onde estou, ou que penso estar, vou a mim mesmo – mas direi melhor se disser que eu tento, quase sempre em vão. Tentar é humano, até mesmo errar três vezes e mais vezes, mas o consolo é que nunca se permanece no mesmo lugar, seja ele oco ou pedregoso, uma ladeira íngreme ou caminhando no raso de um rio sereno; andar também é humano, as hienas riem enquanto andam buscando comida, até mesmo as formigas e os elefantes vivem zanzando por aí, sim, viver é uma graça, andanças de se ver deus e o diabo de boa prosa na sombra de uma árvore, humanidades e desumanidades. Andar é preciso, dá pra chorar, mas também dá pra rir de um canto a outro da boca, rir com todos os poros, rir com os nove buracos do corpo, rir dos nove círculos do inferno de Dante Alighieri. Vá ao Mercado, à feira, antes que as águas de março cheguem, e depois, sempre.

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Fotos e texto: Darlan M Cunha

Tom e Vinícius

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