Darlaniana 1000

O BOI ZÉ
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Tens um céu só teu, cheio de fluxos e influxos, céu de certezas e dúvidas, sóis e chuvas que divides ou não, eis um sabor de castigo ou de cidra, enfim, uma abóboda toda tua é este ímã tão silente ou tão tagarela que tudo teu a todos revela ou não; mas o que se sabe ao certo é que neste céu pelo qual passam a tua bile de fogo e a água que te livra da sede, nessa tampa tu vives muitas premissas e/ou promessas cumpridas ou não, mas continuas com entusiasmo e desânimo, até porque as antíteses ou contradições são o alcance máximo humano, porque não há como escapar do claro/escuro, forte/fraco, frio/quente, não há na grande família humana alguém que não esteja farto de marcas ou que não esteja com a paciência esgotada contra ti e contra o que te cerca, fartas inclusive delas mesmas. Ó mar, ó rainha de Sabá, Sherazade, Lady Godiva, Luz del Fuego, ó Virgem do Apocalipse, todo céu precisa alargar-se com constelações e gritos, deem um bom trato no palato ou céu da boca dos desvairados os quais vão para as ruas sem a mínima chance de entendê-las, e assim é que as ruas estão cheias de céus tão escuros. Vou rir ou chorar ? Pão é pão, água é água, pedra é pedra, riso é riso, Mãe é Mãe.

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Foto e texto: Darlan M Cunha

UAKTI. Variações sobre ÁGUAS DE MARÇO (TOM JOBIM). https://www.youtube.com/watch?v=YtFs4emQixk

afago, 4

Onça pintada no quintal
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Acordou às tantas da madrugada, puro breu, silêncio e sono quebrados por um barulho inusual naquelas plagas, não muito, um troar capaz de fazer todo o barraco tremer como se estivesse febril, mas não estava longe disso o dono do barraco, intimidado por aqueles sons fantasmagóricos, pelo que ele logo se lembrou que o inesperado existe, que a morte está sempre rondando, então, sob mil cuidados, desceu da cama miúda, embrulhado ainda num cobertor, sem acender a luz, arriscou, sob passadas quase inaudíveis vindas lá de fora do barraco, e cada vez mais o som estarrecedor de uma garganta infernal, arriscou afastar um pouco a cortina de sisal, e o que viu gelou sua carcaça, ficou ali, tremendo igual vara verde, vara de marmelo, taquicardia, suor frio, balbucios, ia cair seco, desmaiar, chamar a distante mamãe no céu, e no céu de sua boca… mas tudo em vão, a criatura estava ali, e queria coisa aquele arquétipo caminhando sobre os muros do medo que já o acometia para além do limite, queria coisa.

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Foto: MJMC <> Texto: DMC

UAKTI

Tiquiê River // Japurá River (Phillip Glass). UAKTI : https://www.youtube.com/watch?v=MPYgs_c-3nQ

Horas ? para quê sabê-las ? Vivê-las, sim.

visita breve
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@1

Não foi só o personagem do Robert Musil um homem sem qualidades, há muitos destes afortunados por aí, para os quais o lodo é fartura, a grama é a cara do sono, sem sonho, viver vinténs, nenhum amém cobrindo-os dos pés à cabeça, e assim correm de tréguas, porque isso desgasta muito, você tem de prometer, ao mesmo tempo em que espera a facada nas costas, e assinar algo com quem está pronto para eliminá-lo da jogada, todos devem jogar a toalha, isso é irrelevante, porque de repente tudo muda, num rompante, algum descontente reabre as cicatrizes, chuta as cinzas, e todos voltam a ser meros atores e atrizes, todos querendo-se exemplares no ofício de mostrar a cara. Só resta cantar: Soy feliz, soy un hombre feliz, sendo um homem sem qualidades, a exemplo do personagem do austríaco Robert Musil.

@2

Não é segredo que numa cidade grande ninguém dorme, todos estão nalgum estágio de alguma doença, mesmo que ainda não saiba do diabetes, da P.A. sempre alta, distúrbios que não avisam, sem contar outras armadilhas, e assim ninguém escapa dos decibéis, da mãe-pressa, da incrível quantidade de lixo diário, todos fingindo felicidade. Um copo com água, por favor.

Fotos e texto: Darlan M Cunha

Merceditas. RENATO BORGHETTI & ARTHUR BONILLA (R. SISTO RIOS – autor): https://www.youtube.com/watch?v=GKmZcGuIW2g&list=RDcNFSR77vDOg&index=2