STRESSLAXING

cada vez mais

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STRESSLAXING

Eu sei que és insone, mas não te agarres assim a mim, como o molusco agarra-se à concha, como o fraco apega-se a uma esperança vã, pagã ou cristã, vazia de sentido, não te canses, ninguém dorme, o sono foi excluído da existência humana, e nem mesmo os ursos não hibernam mais – eles são poderosos, os ursos e as hienas não conhecem o medo, mas não dormem, não mastigam a viva voz das manhãs, a neblina do descanso, o amor acabou, o sono acabou, tudo é stresslaxing. Eis a solidez da solidão. Eis na concha da tua mão a inútil pílula.

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Foto e texto: Darlan M Cunha

onírico 2

Pés não são asas

O paciente alegou inquietação a respeito de um sonho recorrente: os pés sempre parados, descalços ou calçados, sujos ou limpos, femininos ou masculinos, às vezes, parece-lhe que a mesma criatura tem um pé feminino, e o outro é masculino – de modo que o imaginário voa até dar com algum obstáculo enevoado, duro, sem se mostrar, e o sonho ou pesadelo acaba em suor, ânsia de ir-se à rua na madrugada, nada de clonazepam ou de familiares deste, prefere vodka com água de coco, sentar-se no sofá, só o silêncio provedor, silêncio amigo, e nenhuma pergunta, até porque há tantas que nenhuma tem primazia. Achava que sonhar, tendo os pés num mesmo lugar, significava o chamado do azar, se não da morte à porta (o óbvio costuma ser difícil, anula a Razão), é preciso um par de asas, e acrescentou que um trecho aparece no sono, no mundo do deus Hipnos: Enquanto a chama arder...

Darlan M Cunha

Beto Guedes & Djavan. Amor de Índio. : https://www.youtube.com/watch?v=Fe_nLBD9Hh4

expressão

Sementes de girassol. Exposição na AABB, Belo Horizonte, abril 2019. ARTISTA: Ai Wei Wei – CHINA.

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Tristeza não tem fim / Felicidade, sim. (A. C. JOBIM)

Dizem que não há tristeza mais densa do que a de se sentir vazio, sem nenhuma e nenhuma perspectiva, só breu, nem mesmo um túnel, uma toca, um nicho, uma vala, o debaixo de uma cama qualquer, o enroscar-se e dormir dentro de um velho pneu de trator, longe de si, o tormento picando e repicando feito um vizinho ensaiando pistom diariamente, sim, são muitos os transtornos bipolares, multipolares, infinitos que acometem uma pessoa, muitas vezes sem uma explicação plausível para os parentes, vizinhos e pessoas amigas, que não perceberam a dificuldade, o despenhadeiro alheio, absorvidos pela própria queda já em andamento. Psicanálise: onde estás ? Eu sei. Bom, de totens e tabus, de garrotes vis e sequelas infantis o mundo está cheio, o ventre prenhe, a cabeça oca. Os Homens Ocos / The Hollow Men, este livro de poemas do Thomas Stearns Eliot, ou A Interpretação dos Sonhos (1900), Sigmund Freud, ou A História da Feiura e a contrapartida A História da Beleza, ambos do Umberto Eco; por último, um bálsamo, um cicatrizante indiano ou hindu de nome Sakuntala (milenar). Bom, o cafezinho está me olhando de cara feia, esfriou.

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Sadness has no end, happiness does. (A. C. JOBIM)

They say that there is no sadness denser than feeling empty, without any perspective, only darkness, not even a tunnel, a hole, a niche, a ditch, the under any bed, the curling up and sleeping inside an old tractor tire, far away from you, the torment prickling and ticking like a neighbor rehearsing piston daily, Yes, there are many bipolar, multipolar, infinite disorders that affect a person, many times without a plausible explanation for relatives, neighbors and friends, who did not perceive the difficulty, the alien cliff, absorbed by their own fall already in progress. Psychoanalysis: where are you? I know. Well, the world is full of totems and taboos, of vile forks and infantile sequels, the womb pregnant, the head hollow. The Hollow Men, this book of poems by Thomas Stearns Eliot, or The Interpretation of Dreams (1900), Sigmund Freud, or The History of Ugliness and the counterpart The History of Beauty, both by Umberto Eco; lastly, a balm, an Indian or Hindu healing agent named Sakuntala (millennial).Well, the coffee is staring me in the face, it’s gone cold.

Darlan M Cunha

o jogo sem nome

Sob o viaduto na Av. Olinto Meireles. BARREIRO de BAIXO, BELO HORIZONTE, MG

Para CRISTILEINE LEÃO, Amiga // Para TODOS e TODAS, Caros e Amadas

o jogo sem nome

Comer terra é manter-se vivo, preparando-se para o inevitável, sim, comer terra é um hábito das crianças, é necessidade imperiosa dos famintos, é a razão dos oleiros de reviverem em suas peças de barro o barro que somos, caso se esteja de acordo com esse conceito religioso que não é meu. Comer terra é hábito de certos papagaios que lhe aproveitam os minerais, e certos quadrúpedes também fazem isto com a finalidade de combater vermes e dor de barriga, o que então nos mostra o poder sutil da terra sobre a qual se pisa. Meu nome é Nada, a quem tudo diz respeito, pois todos os bens e todos os males transbordam de mim – mais estes do que aqueles – e agora vou ao sol cavar mais luz, quero tirar mais da salina e raspar as costas desta colina e os seios destas planícies, construir, à moda chinesa, tailandesa e vietnamita terraços de arroz, de onde decerto jogarei grãos ao mundo, porque comer terra é da Humanidade, seus minerais são como uma amizade muito forte, daquelas de estarem no mesmo barco, mesmo se noutro.

the nameless game

Eating earth is keeping alive, preparing for the inevitable, yes, eating earth is a habit of children, it is an imperative need of the hungry, it is the reason for potters to relive in their clay pieces the clay that we are, if one agrees with this religious concept that is not mine. Eating earth is the habit of certain parrots who take advantage of its minerals, and certain quadrupeds also do this with the purpose of fighting worms and bellyache, which then shows us the subtle power of the earth on which one steps. My name is Nothing, to whom everything concerns, because all goods and all evils overflow from me – more of these than those – and now I go to the sun to dig more light, I want to get more out of the salt flats and scrape the backs of this hill and the breasts of these plains, build, in the Chinese, Thai and Vietnamese way, rice terraces, from where I will certainly throw grains to the world, because eating land is of Humanity, its minerals are like a very strong friendship, those of being in the same boat, even if in another.

Darlan M Cunha

Arco temático

Lay Lady Lay // Deite-se, Senhora (BOB DYLAN), aquele mesmo ningres-ningres literário, que não se dignou a ir receber o NOBEL DE LITERATURA.
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Demências (Dementia praecox)

@1

É assustador o que os descaminhos que cada um leva consigo podem fazer conosco, assim que algum deles vem à tona – congênitos ou adquiridos. Em Girona, Espanha, uma mulher afogou na banheira a própria filha de dez anos. Separada do marido, tratando-se de grave distúrbio psiquiático, assim como tanta gente mundo afora indo e voltando de consultas algo apenas aliviadas temporáriamente da Hidra, do Teatro de Sombras, ou não, isso faz parte da tônica diária, ou quase diária, de pessoas neste grau-limite; mas agora que ela também morreu, resta-lhe estar de modo diferente todos os dias, e morrer outra vez, num cárcere, protegida talvez por uma catarse há muito tempo procurada inconscientemente e, enfim, encontrada, ao acertar as contas com ela mesma, com o marido, com o fundo do Mundo. O mundo deveria abolir o risco do riso, com infinitos sofrimentos em redor dele? Não, porque se nos expusermos a mais esta insanidade, nada nos salvará de nós mesmos, que já estamos no degrau último da demência.

3_d dropshadow_ 030800 (INTERNET)
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@2

O Papa deu um beliscão numa moça que o agarrava, sedenta, à luz do dia, mas ficou nisso, no beliscão, nada que o escuro de um cinema pudesse vangloriar-se de tê-los tido entre as suas paredes, flagrados na divina peripécia do amor, ainda que de fim de semana. Lembremo-nos que o amor não é feito só de ritos de sal e açúcar, ele também é feito de beliscões. Carpe diem, carpe noctem Papam. O que desejava de fato a moça ? O que perdeu o papa ?

Doença crônica
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Este ano algo mudará o sacrifício das mãos e dos pés ao sincronizar o que puder para esta garganta e essa manta, ou manchar o nome teu e o dos teus parentes e amigos, inclusive o do teu deus, embora isto só se deva fazer pela conduta da pessoa, mas isso é com a Lei. Que Lei ? Eis o mundo de premissas e promessas feitas no sentido de fazer toda gente saltar sobre o impossível teor que até ontem era como um totem e um tabu esticados até onde a vista podia alcançar. O peso dos anos apertam cada vez mais os movimentos, a individualidade de cada novo ano tem de lutar muito para ter algo que o destaque dos anteriores. Bom, ouçamos esta linda cubana solar o violão.

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Fotos e texto: Darlan M Cunha

DANIELA PIASECKI toca LEO BROWER (CUBA, 1946-): Un dia de Noviembre: https://www.youtube.com/watch?v=ft8Pqz9npF0