Carta à MÃE n. 302

AVÓ, NETO e BISNETA – FL, EUA [Dona MARIA, então com 86 anos; já em 2022 com 90 anos].

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CARTA À MÃE n. 302

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Dona MARIA, minha sequência de alegrias, cálice bento

Hoje eu me levantei com uma sensação de que algo estava assim sumido da minha vidinha de calhambeque abandonado – mas não era a Senhora. Pois é, levantou-se comigo um inenarrável bom humor, e assim, enquanto eu bebia café e beliscava pão com manteiga, eis que um assombroso ou mesmo um desassombrado pensamento veio: Será que eu estou leve e feliz porque sonhei que os preços caíram do Everest, e outros desabaram direto das nuvens negras onde estavam, pelo que o Povão desgringolou, e está lotando feiras e mercados, confiantes nos seus últimos caraminguás (dinheiro), e assim comprando o que fazia tempo que estava racionado em casa ? Mãe, liguei as telas todas elas, mas nada disso aconteceu, porque tudo continua na mesma, no breu mais escuro, e assim me lembro de três adjetivos exatos para nós, o povo: anuro micruro macruro, ou seja, sem rabo, de rabo curto, de rabo grande. Rabo grande tem o povão, sempre bem pisoteado, porém, falemos de fatos bons, porque existem e existirão enquanto houver boas Mães. Mãe é Mãe.

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MÃINHA [como se diz no norte de Minas e na Bahia, etc: MÃINHA), estrela de vida inteira

Olha, Vovó de Outro Mundo, vá devagar por aí, cuidado com as crianças, sei que é da juventude andar e perambular, bater pernas, ler, etc, e todas e todos sabem que a Senhora é de fato supra sumo na matéria de viver com alegria indomável, mesmo com os entornos quase todos obstruídos ou proibidos ao riso legítimo, sim, eu também sei de duas ou três coisas, dá para o gasto, mas eu caio todos os dias, todos os dias volto escalavrado para dentro do barraco, puxa vida, o mundo está descontente com o que ele mesmo criou, e ainda reclama, mas põe mais fogo nas chamas, mais fogueira na lenha, e mais distância em cada senha ? Mamma mia! Onde estou, estamos nós ? É como diz o Bituca, na bela canção: Que tragédia é essa que cai sobre todos nós ? Palavra do Milton, a Senhora sabe.

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MÃINHA, meu ALGUM DOM DOCE, meu alvoroço no Bairro e na Aldeia BH, minha sina geral

Meu novo livro está enfim terminado. Agora começará a grande batalha da publicação, mas me aquieto ao me lembrar dos vários ditados populares que a Senhora sempre repete, e nós todos caímos na gargalhada, mormente as netas lindonas que não se aguentam de tanto rir, pois é, a Senhora diz, por exemplo, que A peteca não cai do meu lado, e assim é que irei a essa luta de papel não picado, não, será impresso em papel.

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Dona MÃINHA, anágua branquíssima do mar, espuma das ondas

Vou me despedir, mas não sem antes dizer que amanhã bem cedo irei ao fabuloso Mercado Central de BH, vou comprar um queijo da Serra da Canastra, região de vários municípios queijeiros desta famosa Região de Procedência Qualificada: São Roque de Minas, Medeiros, Vargem Bonita, Tapiraí, Delfinópolis, Bambuí e Piumhi. Claro que voltarei ao famoso Bar do MANÉ DOIDO, no famigerado Mercado Central de Bêagá. Encomendei um caminho de mesa para a Senhora, feito a mão. Sei que a Senhora também faz, mas é um presente de filho pra mãe.

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Dona Maria, minha mania, estrada de Sol

fico por aqui. Um beijo e um abraço, ambos maiores do que o Universo, deste filho meio desmiolado, quase analfabeto, mas bom garoto

Darlan

MILTON NASCIMENTO, PROMESSAS do SOL. https://www.youtube.com/watch?v=a_DsDttfZhY

04/03/2022

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24/05/2022

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