Amadas e Caros

A massa que faz o pão / vale a luz do seu suor – Amor de índio. BETO GUEDES – RONALDO BASTOS.

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Está tudo às claras, algum breu insiste ? Tudo é claro, cores de avental, silêncio e dinheiro embrulhado num jornal debaixo do colchão, ao modo antigo, de quando se amarrava cachorro com linguiça – como diz a canção. Cigarro de fumo de rolo, sandálias de couro cru, cachaça satânica divina pinga da roça, camisa xadrez, bermuda sem firulas, sem frescura de tatuagens, brincos, cordões, pulseiras, piercings e mais tatuagem. Hoje é dia de onça beber água que passarinho não bebe, chega de mágoa. Aqui, não, violão; e por falar no seis cordas, hoje será de sol sustenido maior, pão caseiro, bolo, carne assada, canjica pipocando na pressão, rastapé, e sabe o Demo o que mais, doideira pouca é bobagem. Coragem, apareçam, Amadas e Caros, para uma cantoria cada vez mais rara no dia a dia. Vamos que vamos !

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UAÍMA

Dia do PÃO DE QUEIJO: 17 de agosto

Pão de queijo >>> LIBERTAS QUAE SERA TAMEN // LIBERDADE, AINDA QUE TARDE

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Todo mineiro é inconfidente, gosta de fisgar traíras, jogar peteca, uma de suas manias é esta invenção sua, segundo estudiosos de hábitos, etnólogos, historiadores, diletantes, etc. Mineiro gosta mesmo de conchavo, ou é lenda, uma tirada hilária sobre os crentes ? Bom, o que eu sei é que é possível pensar com a boca cheia de queijo, de pão de queijo, de coalhada, de cachaça “da boa, filtrada nas barbas do Diabo”, junto com ora pro nobis, ou couve, senão inhame com mel, enfim, há várias maneiras de se estar de bem com a vida, mesmo nesta fase negra da qual não será fácil sair. Todo mineiro é conspirador, atravessa noites zanzando nos autos de algo que flua para além do bem e do mal – embora isto seja utopia, e os conspiradores sabemos disso, mas seguimos, teimosos que nem mulas empacadas. Mineiro é duro na queda, insone, ainda mais se com café e uns pãezinhos ao alcance das mãos e do sussurro. E tome (r)evolução.

Em Nova Iorque, gente conhecida minha costuma não se esquecer deste hábito, e pode praticá-lo nalguns endereços propícios a tais vítimas.

Landar >>> conspirador

tapioca

tapioca

 

 

     Sabe-se que o que o povo diz, ou repete à exaustão, nem sempre se deve levar a sério, mas lembrei-me de algo que não vejo como discordar: recordar é viver. Não, não sonhei com ninguém. No entanto, é bem conhecida de todos a sensação repentina de se querer comer ou beber algo que não se prova já faz muito tempo, e então a pessoa fica fissurada, não descansará enquanto não satisfizer tal desejo. Nestes últimos dias veio-me a vontade de beber suco de jenipapo e de comer tapioca. Fui ao Mercado Central de BH, e lá consegui as duas delícias, ambas parecendo rir da minha cara de esfomeado, de tarado e de sei lá mais o quê. A palavra arado também significa estar faminto. Pois é, eu estava arado.

     Tapioca é um alimento de origem indígena, totalmente brasileiro, comum no norte e no nordeste brasileiro, feito da fécula da mandioca, e não há hora para ser preparado. Beiju é sinônimo de tapioca. Espalha-se a farinha de mandioca na frigideira durante uns minutos, temperada com pouco sal, virando-a de vez em quando. Ainda na frigideira, coloca-se coco ralado, ou queijo de coalho – são os dois ingredientes mais usados, um ou outro, de forma a preparar tapiocas com sabores diferentes. Para fechá-la, de modo a que se pareça com um pastel, é bom untar-lhe as bordas, sempre em fogo brando. Mas, pode-se colocar vários recheios, entre eles, carne moída. Há tapiocas doces e salgadas.

     Tenho alguns livros sobre o folclore brasileiro, costumes alimentares, enfim, os muitos assuntos relacionados ao cotidiano das várias populações e áreas do país. Às vezes, volto a eles, para beber e comer algo diferente de coca-cola e hambúrguer.

     A Carta de Pero Vaz de Caminha. Viva o povo brasileiro (João Ubaldo Ribeiro). Dicionário das plantas úteis do Brasil (Gastão L. Cruz). Viagem pelo Brasil (von Martius, von Spix). Folclore Nacional (Alceu Maynard Araújo), Duas Viagens (Hans Staden), A História da Alimentação no Brasil (Luís da Câmara Cascudo), Dicionário Folclórico da Cachaça (Mário Souto Maior), etc.

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Foto e texto: Darlan M Cunha

João de Deus e as Três Marias

João de Deus, no céu, com as Três Marias

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De palavra em palavra, de silêncio em silêncio, os rascunhos vão se amontoando nas estantes da memória, e ficam por lá, até que algo os convoque para uma nova investida no cotidiano. A primeira palavra e o primeiro desenho ou rabisco feitos ou esboçados pela Humanidade ainda estão gritando sua excelência nalguma pedra. Esta herança foi num crescendo, de modo que, hoje, as técnicas parecem ter imunizado o Homem contra ele mesmo. Chegamos a um ponto no qual os drones saíram dos túneis de vento – dados como aptos a desenharem e retransmitirem em surdina os desenhos das instalações de todos os vizinhos, ainda que do outro lado do mundo estejam tais vizinhos.

Foto e texto: Darlan M Cunha

síndrome de fevereiro

caverna do forró - Lagoa Santa, MG

caverna do forró - Lagoa Santa, MG

 
SINDROME DE FEVEREIRO
 
 
os pés inquietos de fevereiro reviram-se
na lama que os cobre, que é tempo
é tempo de chuva, do que restou dela
em dezembro e janeiro, a cólica feroz
das nuvens nos pés de fevereiro, eis
o assunto do dia nos jornais, mas
outros assuntos logo serão a bola
da vez, porque já é de novo fevereiro,
e só algumas pessoas dão por exato
conta disso: que os cabelos já não são
os mesmos do fevereiro passado,
mais calmos estando talvez
os dedos das mãos, menos motivos
talvez para sorrir tendo as criaturas
da noite e do dia, insones e dorminhocos,
todos tendo nos ombros os fevereiros
que fizeram por merecer, a canção diz:
“não viemos por teu pranto”, então, resta ir
aos vinte e nove dias deste mês (que há
os de vinte e oito), e abrir-lhe o leque,
porque fevereiro é a época dos pés
soltarem de um jeito único a sua mania,
sua ânsia anual por folia, que os pés,
em fevereiro, são reis melódicos: adeus,
bigodes da seriedade; adeus, sutiãs
e outras barbaridades de todas as ©idades!

Foto e poema: Darlan M Cunha