segunda

Eis um trabalho de profundo senso crítico, de maestria social. Uma de minhas irmãs mo enviou, e assim que eu souber quem é a Autora ou o Autor, darei o crédito.

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Segunda-feira é O CARA. Estão prontas e prontos para o batente, após um domingo de puro esticar de canelas, chinelos, camiseta, bermuda, foste àquela macarronada com a Sogrinha, e àquele aperitivo com o sogro e as velhas e as novas tias ? Chega de fútilbol e de novelas, de ontens e de amanhãs que quase nunca chegam como foram pensados. Pegue um livro, toque flauta, abra janelas, leia o mundo, berre um palavrão no seio da praça, candidata-te a ovelha negra da aldeia, algo que te dê algo mais do que uma vidinha corriqueira. Hoje é segundona brava, vamos a ela.

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Darlan M Cunha

Carta à MÃE – n. 312

Creia: uma foto de ontem da Mãe – continua assim, e mais, aos 91. Eu já disse, e escrevi: “Carregue água na peneira para a tua Mãe, sem desperdiçar uma gotícula sequer.”

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Carta à MÃE, n. 312

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Dona MARIA JOSÉ, minha festa junina

ontem, sexta, onze horas, radiante, fui buscar meu violão no luthier da região, mas ele nem pegara no instrumento que eu levara até lá para um reparo no braço. Fui na data marcada. Voltarei amanhã, a pedido do profissional em questão, meio ressabiado, é verdade [eu].

Mãinha, árvore frutífera

vamos a outros temas, aos horizontes ainda possíveis, sim, o mundo é vasto. Hoje, irei ao mercado central buscar queijos cabacinha e canastra, gengibre, alho, cebola, salsa, coentro, rúcula, agrião, milho verde, ervilhas e açafrão, e o que mais eu me lembrar, mas é preciso ir com os braços para cima, onde os preços estão, puxá-los para baixo, estão cada vez mais nas nuvens, queixas aumentam, no semblante geral quase não há lugar para o patrimônio nacional do riso franco do povo brasileiro, sempre com um sorriso.

Mãe, meu colar de luz, mas severa, se preciso

portanto, prepararei algo sumido da mesa, embora seja prato algo trabalhoso. E assim, ainda que chova canivete, a onça beba pinga, o elefante passe pelo buraco da agulha, farei estrogonofe de frango, do meu jeito, e assim almoçaremos juntos este petisco com folha de louro, orégano, açafrão, ervilha, milho verde, azeitonas e azeite, leite de coco, toda essa mistura indo entre um Uai e outro, som de poucos decibéis na caixa, bem entendidos. Travessia ampla no dia, Águas de Março no dia, Flor do cafezal na caixa, Valsa n. 1, Cuanto trabajo, também esta linda canção da espanhola/venezuelana Gloria Martín [Madri, 1945].

Dona Mãe, de fé cega nos Altos desígnios

não foi nada agradável medicar a Senhora, há duas semanas, vítima de virose violenta, alta madrugada. Dias de prostração para quem é a antítese visceral de ócio. Recuperada, a Senhora continua levando sol e lua nas mãos, a vizinhança agradece, e nada direi da família, das bisnetas e trinetas já agora rindo à toa, para ficarmos nos pequenos.

Dona MARIA, meu pé de vento, estrela de vida inteira

somadas todas as crenças, lendas, tabus, catarse e outras referências, apostas, perdas & danos, todas as teimas, sismos e cismas quanto ao que há de mais benfazejo no mundo, o que posso responder, cheio de obviedade, senão que é a Mãe ? Então, para este fervoroso sábado, um eco muito bom no céu da boca, ou seja, estrogonofe com batatas.

Beijos e abraços do primogênito, meio desmiolado, semi analfabeto, não só um colecionador de fiascos, e sim um bom garoto perdido nos breus do mundo vasto e gasto Mundo.

DARLAN

vento(s)

Arthur Bispo do Rosário [1909-1989, Sergipe/Rio de Janeiro] tapeceiro, bordador, pintor. Interno por quase 50 anos. Recebeu ORDEM DO MÉRITO CULTURAL.

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Não tivemos infância, embora às vezes tentemos ir em direção à sua totalidade, mas é inútil, inútil paisagem, ou quase, pois sempre se pode subverter um lado de uma questão. Pode-se aprender isso já na primeira infância, ainda no tempo de se beber colostro. Não fui pintor e nem estive a mando das ferragens, mas tenho comigo as lembranças do que eu era – canta o Bituca. Eis a puberdade e a adolescência, fujonas, tropeços e tropassos adultos já não os sinto, finjo, aquele retrato na parede está incomodando – hora é, sempre haverá momento propício para se fazer ou se desfazer algo, e assim se vai, mesmo com pontos finais pelo caminho, pedras, espinhos, esguichos quentes e frios, não e sim e não. De hoje em diante eu vou modificar o meu modo de vida – Roberto Carlos canta – e me lembro de que ajo é assim, a partir do meu aniversário, e não adversário – o que esse dia é para tanta gente -, é que o MEU ANO NOVO começa, e não no dia 1 de janeiro. Pense. Ria.

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Bolo de fubá com coco ralado, risos, música, mal raia a manhã. Casa de maluco, Trem Doido é isso, Gente Boa.

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Darlan

SELETA

by Múcio Matos Cunha [1954-1983]: Minas dos Inconfidentes

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Os afogados reaparecem de vez em quando, cabelos feito algas esparsas, dizem algo ameno, até mesmo fazem graça, habituados ao silêncio, mas, uma vez que novamente entre os seus, agem assim como quem revive a primavera ou o verão, até mesmo o inverno e ou o outono – aquela estação das folhas no chão, o que é incomum num país tropical. O fato é que as pessoas que se foram reaparecem de vez em quando, e o dia dos vivos torna-se outro.

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by Múcio Matos Cunha [1954=1983]: Mãe

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Manias todos temos, hábitos arraigados que não admitem contras. Morro velho é uma música, mas os morros estão à vista geral, de quem tenha ou não tenha o que ganhar, ou de não ter sequer o que perder [o que seria a vida sem contrastes de algodão e cruzes, ecos de mistérios, e assim é que se vai mundo afora – do sal à cal, até à desconhecida varanda. Viver noite alta ou sol de meio-dia, os pés e as mãos sabem das coisas, abrem caminhos.

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… é o projeto da casa / é um corpo na cama / é o carro enguiçado / é a lama, é a lama. [TOM JOBIM, Águas de Março]

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Algumas vezes ao dia vou até onde estou, ou que penso estar, vou a mim mesmo – mas direi melhor se disser que eu tento, quase sempre em vão. Tentar é humano, até mesmo errar três vezes e mais vezes, mas o consolo é que nunca se permanece no mesmo lugar, seja ele oco ou pedregoso, uma ladeira íngreme ou caminhando no raso de um rio sereno; andar também é humano, as hienas riem enquanto andam buscando comida, até mesmo as formigas e os elefantes vivem zanzando por aí, sim, viver é uma graça, andanças de se ver deus e o diabo de boa prosa na sombra de uma árvore, humanidades e desumanidades. Andar é preciso, dá pra chorar, mas também dá pra rir de um canto a outro da boca, rir com todos os poros, rir com os nove buracos do corpo, rir dos nove círculos do inferno de Dante Alighieri. Vá ao Mercado, à feira, antes que as águas de março cheguem, e depois, sempre.

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Fotos e texto: Darlan M Cunha

Tom e Vinícius

Carta à Mãe – n. 308

Digam-me, minhas amadas e meus caros: O que é que eu, um cisco, tenho mais a dizer ou fazer, senão babar e até chorar ?

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CARTA PARA Dona MARIA JOSÉ

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Mãe,

Hoje, segundona brava, dia predileto de uns, a partir do qual o Povão vai à luta, ou continua na lida, eu amanheci com a macaca, como se diz, e assim é que, café em punho, música, olhar de ócio descabido, dedinho do pé esquerdo com os ossinhos deslocados, devido a uma topada com a pesadíssima cama, cá estou, para lhe dar notícias e evitar – se eu puder – as notícias de sempre com aumentos daquilo e disso, e de mais isso e aquilo, hehe, só rindo para que eu mesmo não me interne na digna Pinel, por exemplo.

Dona MARIA, minha salina de onde retiro o sal para a luta cotidiária

eu fico pensando – e olha que pensar dói – no tamanho das suicidades nas quais vivemos, já quase todos mundo afora, andamos e viajamos, sabemos do que aqui se fala, e é notório que em breve as últimas aldeias pequenas, que hoje já são raras, serão comidas pelas monstrópoles, haverá uma só aldeia ainda mais gigante, de maneira que, num domingo ou feriado, para se ir à casa de uma das vovós e de um dos vovôs, terá de enfrentar umas três horas de lotação ou coletivo. Barbaridade. Mas Vó é Vó. Não irei, por não tê-las mais ao alcance de um abraço.

Tenho a Senhora, MÃINHA, cadarço que me amarra os sapatos, os calos, e me abre o pouco juízo

para me conduzir pelos mil e um labirintos cotidiácidos, cheios de minotauros e de outras bestas humanas. Afe! Ontem, saí para umas compras, assobiando águas de março, lá fui eu, alegre que nem um coelho quando noivo, sim, é verdade, só a Senhora me conhece de fato, além de eu mesmo, e assim me vi diante das bancas de mil tipos, seus proprietários algo macambúzios, ou tristes, porque os preços estão saltando mais do que canguru, e assim vendem cada vez mais caro, e para menos pessoas – e aqui é que que está o X da questão, lembrando aqui esse título de uma música do Noel Rosa.

Trisavó MARIA JOSÉ, meu cantinho de algodão, meu violão só música top

em abril a Senhora vai completar 91 anos, sendo que Nos 90, aí nos EUA, a Família imensa e muitos amigos e amigas desta Nação fizeram uma festa de dois dias, até porque, querida e respeitada como a Senhora é, todos e todas se lembraram que não é todo dia que a gente completa 90 anos, andando, rindo, cantando, sem diabetes, sem bengala, nenhuma cesária nos 10 partos, e por aí vai, sem contar nos rapazes lindos trabalhadores que se foram – e a Senhora, fortíssima, não enlouqueceu, não esmoreceu. Um espanto.

MÃE É MÃE, há mil anos digo isso, e me cumpro como filho meio relapso, mas…

pois é. A situação política está feroz, como não poderia ser de outra forma, se quisermos reajeitar a visão, reapurar o olfato e reconstruir as glândulas e os órgãos corporais da grande nação. Há cegos e cegas demais. A comida desce lenta, quase de todo amarga, isso se diga de quem tem feijoão, sim, feijoão com arroz. Devagar, tudo terá de se ajeitar. O Mundo, sem o Brasil, vendendo e comprando e opinando duro nas mesas internacionais, o Mundo é algo assim parecido com o que o filósofo alemão Friedrich Nietzsche disse a respeito da Música: “Sem música a vida seria um erro.” E mais eu não digo.

Mãe de todos os prantos e de todos os muitos sorrisos familiares, doce de leite com coco ralado

vou me despedir, mas não sem antes dizer que o bambuzinho do qual a Senhora cuida há uns 35 anos, continua verde e teimoso que é uma beleza, ponho água em dias alternados. Fique tranquila, o barraco está brilhando – umas baratinhas renitentes por aí, formiguinhas no açúcar, enfim, coisa pouca. Matarei todas com um par de sapatos femininos bico fino que comprei num brechó. É calçar e atuar.

Beijos e abraços do tipo Anéis de Saturno para a Senhora, e para a molecada aí, deitando e rolando com a destemida e risonha Vovó. Mais e mais lembranças deste filho meio desmiolado, quase analfabeto, mas bom garoto

DARLAN