CARTA À MÃE, n. 315

Desfile de Misses da 3a. Idade, na Igreja IURD – BELO HORIZONTE, MG. Vovós no seu pleno viver, haja história do Brasil antigo ao de hoje [modernidade que logo será ultrapassada], as Vovós, após trancos & barrancos, só risos e afagos.

*

Dona MARIA JOSÉ, MÃE NOSSA DE CADA DIA

agora de manhã, voltando de uma das corridas semanais, feitas desde décadas, vi a Senhora na pequena padaria Mister Pão, a dois quarteirões de casa. Para variar, de conversa com conhecidos e desconhecidos, fiquei como sou: pequeno, Mãe, diante de seu carisma, seu ímã benfazejo geral. Voltei, radiante como um brilhante, uma legítima katana japonesa, a frutinha verde umbu, um caju, um diamante encontrado em Diamantina-MG, pedra bruta, pedra rolante [Hello, old uncles ROLLING STONES!]. Pois é, Dona Maria, tudo vai dar certo, a Senhora repete isto à exaustão.

MÃINHA, pequena grande flor do sertão mineiro

Após o dilúvio na cozinha, o sifão arrancado da parede pela pressão apavorante da água, o que me tomou mais de duas horas para limpar toda a cozinha, lavar toda a louça inundada por água suspeita, o registro fechado por dois dias, até as coisas voltarem ao normal, eis agora o Solriso da Vovó, isto é, Geral. É isso aí, casa dá trabalho, é preciso estar atento, saber o que fazer, o básico, antes que as coisas piorem. Por falar em piorar, uma das duas tevês não quer soltar nem som e nem imagem, mas NÃO está queimada, porque a luzinha vermelha na parte de baixo fica acesa, e lá vem despesa, mais dois dias, e o mês acabará triste, Dr. Dindim foi embora, mas eu seguirei a inabalável canção da Senhora: “Tudo vai dar certo, filho.” Sim, sabemos que as coisas não estão bem no RS e também na Amazônia. Sabemos.

MÃE, doce de mamão verde em calda

Depois da cortina nova para o seu quarto, ontem, comprei outra colcha, e eu já sei que a Senhora vai me passar um “pito”: “Não precisava, tenho umas aqui, bonitas e boas“. Ah, passei e vi, lembrei, esquecido dos dias de amanhã, o amanhã é longe, e comprei. Cheio de flores, do estilo exato da MARIA. Os exames da Senhora estão bons, continuar com a Hidroclorotiazida 25mg e com a Sinvastatina 40mg. Nada de bengala, de andador dos quais a Senhora não precisa, nem de diabetes, que a Senhora não tem, e vamos com música do tempo de Maomé, hehehe, e também músicas do Clube da Esquina, músicas de Isaurinha Garcia, e tome Bíblia diária da qual a Senhora não se dispensa de reler uma página ou duas antes dos trabalhos caseiros.

Mãe, em ação, bordando num ‘bastidor’ [as unhas pintadas são coisas das netas].

DONA MÃE, flor de maracujá [essa flor é de grande beleza, tida como a flor do Amor, no mais alto teor]

seu filho vai se despedir. Hoje, almoçaremos pescoço de peru, batatas cozidas, salada de rúcula e agrião e arroz. A sobremesa será o criminoso Manjar branco, que a Senhora fez com muito coco ralado e…. ah, chega de sofrer, vou às panelas, chofer de fogão. Até mais, MÃE, um universo de beijos e abraços de seu filho meio desmiolado, quase analfabeto, mas bom garoto

DARLAN

sol soledad solear solstício solar solidão solitude solvente soluto e solução

sombra é gente

*

@uaíma.1


Cansou-se, sem saber ao certo de quê, que saturação era aquela, tantos desânimos já lhe dando tanto nos nervos que pensava já nem tê-los mais, ou se ainda eram de reagir a qualquer estatura. Cansou-se de criar raízes, errando por não se ter na conta de leigo num mundo voraz, de não ter saído daquilo que logo guiaria seus passos; então o marasmo construiu casa, um refúgio, e o mundo lá fora cada vez mais fora de prumo, fingindo-se feliz, enquanto alguém vai cantando Não viemos por teu pranto, nem viemos pra chorar [G. Vandré].

*

@uaíma.2


De acordo com um antigo ditado popular da cidade de Córdoba, Espanha, cidade esta que foi governada por califa, o povo, embora a cidade seja tida como tradicionalista, diz “Mal por mal, melhor o bar, do que o hospital.” Ditados populares guiam gerações, atestam que, no fundo, não mudamos tanto no que diz respeito a conceitos sociais, morais. A mãe repete ditados populares que ela ouvia desde criança. Os sonhos não envelhecem é título de livro do Márcio Borges, com prefácio de Caetano Veloso, e a letra que ele escreveu para a música Clube da Esquina n. 2 [melodia do Milton e do Lô], e assim também certos ditados populares não envelhecem. Eis aqui um na memória da mãe: “A ingratidão mata a afeição.” Amadas e Caros, e porque hoje é sábado, ao sábado.

*

fujão na casa das velhíssimas tias

*

arroz doce com creme de leite, coco ralado e canela em pó

UAÍMA

aldeotas

Praça e pequena pista de corrida, com direito a aparelhos, aberta, sem cercas nem muros, na região dos bairros Teixeira Dias e Maldonado, em Belo Horizonte, MG. Costumo correr aí, mal raia o dia, sossegada e limpa.

*

A rua onde escavo cotidianos é pequena e serena, dois quarteirões tem a rua pacata à qual sou grato por isso, pela sorte muito rara que se pode ter numa suicidade ou monstrópole, que é a sorte de encontrar uma rua com muito poucos decibéis, mas vigiada. Como se sabe, o sossego morreu, o respeito fugiu de si, a baderna grassa de modo geral mundo afora, ou seja, andar tanto [a Humanidade] para tanto acinte. Vai aí uma foto ligeira, sorrateira, de esgueira, de clima nu e cru na alta noite na rua de baixa gravidade ?

*

Darlan M Cunha: foto e texto

nora

Uma nora no pátio de um extinto restaurante, no bairro Buritis, BELO HORIZONTE, MG

*

@1.uaíma

A nora é um invento muito antigo, um prêmio à perseverança da imaginação, madeira de dar em doido, enfim, linda geringonça que atua e atuará em prol da humana condição de inventores/as, recolhendo a água necessária. O Egito antigo cuidou também disso. Consta que essa roda chegou à Espanha levada pelos árabes, que lá permaneceram durante 700 anos, deixando marcas indeléveis na arquitetura, na culinária, no idioma, palavras como alcachofra e tantas outras, noções filosóficas

A nora gosta de vento e de água, são unha e carne, ditando as regras de sua rodagem diária, multimilenar é essa filha do Egito, ao que se sabe. Garota prestativa, gira feito dançarinos turcos, os dervixes. Inventores deram forma à essa geringonça que revolucionaria a agricultura da província, o país e o mundo.

*

@2.uaíma

A maioria dos idosos mostram de modo inequívoco uma virada no humor, tornando-se ranzinzas, quase sempre com algum reclamo, algumas perguntas quase sempre as mesmas, inquietos dentro dos chinelos, ambos os sexos, mais nos homens tais modulações psicológicas, e assim é preciso adaptar-se a um novo tipo de respeito, alargar a visão de mundo ou sobre o mundo [die Weltanschauung] quem com tais delicadezas vive seu diário. Viver é assombro após assombro, riscos e risos, sedas & ferros, dias santos & pagãos.

*

@3.uaíma

Água & Fogo

.

O fogo resiste à água que somos, e mostra a que veio

o foco humano é queimar o barro, é polir a pedra,

é de rasgar a seda da fala pelo que tem

de violento, demente, torna-se tempestade

jogando para fora de si os rios e os mares, ervas daninhas

os homens e as mulheres, seu fogo assim exige

o de sempre e também que o Futuro seja agora, todos os nomes

sem mágoas nos poros. Entanto lutamos.*

***

Darlan M Cunha

ameno

Mímese

*

Vontade antiga de se fazer invisível, escutar e bolinar sem que se saiba de onde tal e tal impertinência, risos vindos de não se sabe, as pessoas atordoadas, e tome mais beliscões do invisível, a figuração desta mímese não sendo possível, de fato, não há nada igual a estar invisível aos outros, entrar e sair sem ser percebido, escutar intrigas palacianas, borboleta ou percevejo, cobra ou formiga, o ar em seu estado natural, vozes vindas de não se sabe onde, o nome disso é acusma, ou seja, quem ouve vozes, estás no rumo certo da loucura, correr é inútil, aprenda a ser invisível, isso faz toda a diferença: ser invisível.

*

Mímese

*

E porque hoje é domingo, pede cachimbo, jogar ludo, damas ou bingo, pés no chão e cabeça oca, ir aos assados ou frituras, o frango e a macarronada, santo domingo, nada de pranto dominical, porque hoje é dia do Nada Consta, abram alas para o riso, piada de salão ou piadas picantes, estás sem dindin ? Não te preocupes, e sê feliz mesmo assim (é possível), isso porque hoje não é amanhã, faz do hoje o teu dia, teu amor, agarra-te ao domingo, e bebe um pingo, muda de nome: Dingo ou Mingo, Conrado, Abel, Lico ou Esculápio, que tal os nomes Abidiel, Eufrásio, Jonas da Baleia, Abílio Cunha da Mata, Armando Vara Souza Pinto, Meu marido Oscar, Jatene. Que tal estes: Diná, Arletilda, Anja Cremilda, Cleópatra, Zínia (serás flor), sim, porque hoje é domingo, mudarás o modo de como vês o mundo vasto mundo, mudarás de lugares contigo, com ele, com ela, talvez comigo.

*

Fotos e texto: Darlan M Cunha

ENCONTROS e DESPEDIDAS. Nascimento / Brant. : https://www.youtube.com/watch?v=FiLYn6Xkn8U