STRESSLAXING – 6

AI WEI WEI (China) – Exposição na sede do CCBB de BELO HORIZONTE -MG, 2019

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DOS PASSOS & TROPASSOS & TROPEÇOS DE UMA NEFASTA AVENTURA

Ágora era o nome que se dava à grande praça das cidades gregas antigas, era o lugar onde todos os cidadãos debatiam, e muitas vezes decidiam sobre isso e aquilo; por exemplo: na ágora de Atenas foi decidida a continuação da guerra contra Esparta, e assim por diante. Qualquer pessoa podia opinar, desde o filósofo Sócrates ao mais humilde cidadão. Entre nós há uma praça que é única no mundo, pela abertura aos elementos naturais, pelo tamanho, pela planura, pelo nome, e pela grandeza moral e técnica e científica de quem a projetou. Está de tal forma enraizada que se pode falar em ágoramania ou ágorafobia; é claro que isso depende dos intentos da massa popular pacífica ou de uma súcia mefistofélica que por lá adentre. Demokratía [grego].

@2.

Quantas histórias estes lugares devem ter para contar de homens e mulheres, de lagartos e abelhas, armas e versos, nuvens, baladas, um velho livro estendido sobre a cama, um jovem corpo estendido nalgum drama, mirando o teto, talvez, alguma incógnita geral, os dias sem dono, as noites sem ar, é preciso consertar o portão que dá para a rua, amanhã o comércio vai funcionar, sim, não há tempo a perder, tempo é dinheiro, dinheiro é vida, uma bebida antes da sopa ? Como é mesmo aquele refrão comparando o céu e a terra ? Quantas histórias tais lugares devem contar de mulheres e homens, estradas e encruzilhadas.

@3.

Histórias e estórias a granel, no atacado e no varejo, sempre e cada vez mais há estórias e histórias, ainda que sob a vigília de muros e nuvens, sempre haverá um ou mais feitores e contadores de fatos e lendas, eis a rua, eis o andante maestoso de uma sinfonia, o allegro ma non troppo de uma sinfonia, o staccato num violino, sim, na rua os fatos vivem a própria essência, levam e trazem consigo o todo das aldeias, a rua é o que há de melhor que a humanidade arquitetou, ela chora e ri, é um faz-tudo, é pau para toda obra, lugar de tragédia, de zangas populares, de festas anuais e discursos políticos, os atletas devem ser louvados na praça, as pessoas juntam suas bossas, suas mossas, é preciso visitar os doentes, catapultar o desânimo, loucura não dorme, há muitos medos ainda de origem desconhecida, há mortes demais nas pequenas e nas grandes aldeias. Praça é ovo, lembra, praça é ovo.

@4.

HELENA JOBIM (Crédito da foto: MARCOS VIEIRA / EM / D.A. Press)

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A escritora Helena Jobim (1931-2015) morou perto da minha casa em Belo Horizonte – bairros Estoril e Buritis, respectivamente. O Estoril é cercado pela comprida, poderosa e bela avenida Raja Gabáglia, pela progressista favela da Ventosa (sem chiste), Vila Leonina (um bom hospital), bairros São Bento, Nova Barroca, Santa Lúcia, Estrela Dalva e o bairro Buritis (UNI-BH, universidade com cursos de medicina e odontologia; UNA-BH, umas dez áreas que vão da Administração à Biomedicina).

Pois bem, às vezes eu a via, e um dia eu lhe falei do excelente, doce livro que ela escrevera a respeito do irmão – Antônio Carlos Jobim – Um homem iluminado. Ela sorriu e disse: “Ah, são muitas histórias, Darlan. Viver é historiar.”

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Foto e texto: Darlan M Cunha

vidacor

Colégio Batista Mineiro – Unidade Buritis/Estoril – BELO HORIZONTE, MG

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@1.UAÍMA

De dia me lava a roupa / de noite me beija a boca… nos diz a antiga canção. Numa época de descartes, de falsas amostras grátis, de shows sem fim da Showciedade, minha irmã caçula, espirituosa, diz que às vezes prefere ficar em casa, quieta dentro do pijama – gargalhadas gerais. É que os deveres lá fora chamam, senão, seria melhor assobiar enquanto cuida do jardim, troca uma lâmpada, recebe o novo sofá, lava os tênis, examina as contas do mês, coisas gerais de toda casa que se preze como lar.

@2.UAÍMA

São quatro da madrugada, um café, às seis e meia pretendo ir ao muito querido e famoso e asseado Mercado Central de BH comprar umas pimentas tipo bomba atômica, ardem tanto quanto a tristemente famosa bomba de Napalm (lembram-se da menininha de 9 anos correndo numa estrada, completamente nua e toda queimada nos braços, no pescoço e nas costas, chorando barbaridade, durante o Vietnam ? Pois é, ela sobreviveu, hoje é embaixatriz da UNESCO, vive há anos no Canadá, e o nome desta maravilha de pessoa, sem rancores, é Kim Phuc. Essa famosa foto do século XX foi feita pelo fotógrafo vietnamita Nick Ut, no dia 8 de junho de 1972). AQUI: https://aresdomundo.com/entrevista-kim-phuc/

@3.UAÍMA

Pouco se fala do dia a dia, dos passes livres e das proibições; quase nada se fala dos amores em queda livre – há muitos tipos de amor, no fundo, só um: posse. Queres isso e aquilo, desejas tal forma, tal brilho e tal modo de vida, é justo querer algo, tudo. Ontem, achei uma nota de dez reais, enroladinha, na entrada do Via Shopping (BHte). Fiquei feliz da vida, mas quem perdeu não deve ter achado graça nenhuma por seu descuido. Claro e escuro.

@4.UAÍMA

Ontem, sábado 24, preparei o que tinha em mente havia vários dias. Uma manhã inteira para comprar os poucos ingredientes que faltavam, arrumar tudo sobre o balcão da cozinha, e começar a bela luta com os ingredientes, dosagens, misturas, tudo de cabeça. Estava eu no afã de preparar uma torta de frango (uma cervejinha ao lado), a grande forma já untada com margarina e farinha de trigo para receber primeiro a massa, e depois o recheio, quando, de repente, para minha desolação, notei o fogo avermelhado, lento, o que significa que o gás não iria demorar. Ai ai ai, Santa Genoveva dos Dentes Cariados ! Telefonei para a empresa, pedi um botijão, a voz disse-me que entre 40 e 50 minutos, resignado, concordei. É horrível, o esforço anterior ficaria comprometido: tudo desligado durante tanto tempo, a coisa não ficaria 100% de jeito nenhum. Não ficou bom o aspecto, mas o sabor, sim, supimpa. EIS O ASSOMBRO, amadas e amigos:

Torta de frango ao estilo Darlaniano (24/09/2022)

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Darlan M Cunha: fotos e texto

nuvens // clouds

bairro Buritis, BELO HORIZONTE-MG, visto da minha sala

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Janela é televisão, pode ser aprendizado, mas a tevê, nem tanto. Da janela se pode rir de um tropeção, rir com quem está rindo do outro lado da rua, podes pensar em descer depressa e ajudar a moça com três sacolas, eis um mendigo do bairro, sirena de bombeiros passando a mil, a janela ouve a suicidade, escuta a monstrópole arder, ela estala durante 24 horas, e você na janela, um cafezinho na janela, os transeuntes indo e vindo, sempre apressados, o infarto não dorme, o perigo ronda, para que tanta pressa ? Cuidado com os bêbados e drogados ao volante, pneus carecas, e o maldito celular na mão, na outra, o volante: tarde demais, eis a batida ou o atropelamento. Você, da janela, vê tudo – quase tudo.

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Window is television, it may be learning, but television, not so much. From the window you can laugh at a stumble, laugh with someone laughing on the other side of the street, you can think of hurrying down and help the girl with three bags, here is a beggar in the neighborhood, the firemen sirens are going a thousand miles, the window hears the city, listens to the metropolis burn, it burns for 24 hours, and you at the window, a cup of coffee at the window, the passers-by coming and going, always in a hurry, heart attacks don’t sleep, danger surrounds, what’s the rush? Beware of drunks and junkies at the wheel, bald tires, and the accursed cell phone in one hand, and the steering wheel in the other: it’s too late, and you are hit by a car or run over. You, from the window, see everything – almost everything.

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Darlan M Cunha: foto e texto

PAULO DINIZ. E agora, José ? (Poema de CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, musicado). https://www.youtube.com/watch?v=1L9mZIxgaq0

muda

movimento
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Os dois polos de uma mudança de residência afetam de dois modos: uma sensação de grilhões partidos, de retinas fatigadas pelas repetições, e a de algo indefinido, de igual para igual com o último sol nascente sobre a rua de tanto tempo – todo tempo é muito, justamente por ser escasso, vaza entre os dedos de modo a mal sentí-los. O pequeno cacto ali está, junto a ele a ira e a mansidão dos livros, o beijo descolado da realidade, a caneca de folha, telas a óleo e, como escreveu um certo itabirano, é só um retrato na parede, mas como dói, no teu caso, dói porque talvez enquanto aí viveste perdeste o pai, esqueceste o sabor da carambola e do tamarindo, as cores arcoirizadas de uma boca aberta em leque, sim, essa mudança talvez te doa porque amaste o que não se ama impunemente (nada é imune, tudo cobra e tudo retribui), ó, faço de mim o que posso, é pouco ou é muito, é o que é, e a dor se estica, como essa rua na qual o sono foi escasso, vivi sem luvas, o lanche à mesa, as fatias do dia sempre acusando um pretexto para um pequeno desvio.

São cinco e quinze da madrugada, e a loirinha do belo prédio do outro lado da rua, em frente a mim, já iniciou a caminhada matinal de 360º em torno do prédio, dentro do próprio pátio. Ela irá comigo, assim como irão comigo a fazendinha em frente a mim, durante 23 anos, e os três cavalos puxadores de carroça, cercados, mas tranquilos, mastigando já uma parte da ânsia que o dia traz. Tenho medo de morrer. Morrer é um acinte, eu já dissera.

Outro café, ou moca, procura o copo esmaltado de vermelho, Ah, recomeçar, recomeçar como canções e epidemias,* e lá vou eu nessa estrada,** cheio de tudo, vazio de todo, sem odor de nada, de tudo fazendo questão, aí vou eu ó escaramuças, nichos de carne, ossos e maldades, aí vou eu nichos de pelúcia já prontos, sem saber, prontos para podar-me os atalhos tantos, as feridas em aberto, aí vou eu.

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bairro Buritis, BELO HORIZONTE
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Fotos e texto: Darlan M Cunha

Excerto do poema Confidência do Itabirano, de Carlos Drummond de Andrade, e trechos das músicas Caça à raposa, de João Bosco, e Ave cantadeira, de Paulinho Pedra Azul.

BITUCA canta Clube da Esquina nº 1: https://www.youtube.com/watch?v=7DG3nfv2k3w

Textos duros: luz & mistério* – 4

Bairro Buritis // BH >>> Cidade dentro de cidade
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FRASES – HÉLIO PELLEGRINO – (Psicanalista. MG, Brasil)

Humor é uma vingança contra o destino, a vingança contra a injustiça, a vingança contra o opressor  //   É uma saída através do riso  //  Todo humor, no fundo, é bondade. O humor transforma-se num exercício de liberdade, e dissolve o rancor  //  O poeta é uma caixa de ressonância, concha acústica, orelha enorme, uma parabólica aferindo – e conferindo – as sílabas dos tempos que estão por vir  //  O tempo passa depressa porque nos distraímos de sua passagem, temerosos de perceber que somos nós que passamos. 

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O INOMINÁVEL – SAMUEL BECKETT — (Nobel de 1969. Irlanda)

Agora não tenho mais do que uma perna, tendo rejuvenescido, ao que parece. Isso faz parte do programa.Tendo me colocado em artigo de morte, em gangrena senil, tiram-me uma perna e epa, eis-me de novo de pé e andando por toda parte, como um jovem, em busca de um esconderijo.

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VIGIAR E PUNIR — MICHEL FOUCAULT – (Filósofo, França)

A certeza de ser punido deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens. Por essa razão, a justiça não mais assume publicamente a parte da violência que está ligada a seu exercício // Quase sem tocar o corpo, a guilhotina suprime a vida, tal como a prisão suprime a liberdade, ou a multa tira os bens // Apresentamos exemplo de suplício e de utilização do tempo. Eles não sancionam os mesmos crimes, não punem o mesmo gênero de delinquentes. Mas definem bem, cada um deles, um certo estilo penal. Menos de um século medeia entre ambos. // Desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repreensão penal.

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ALEXANDRE LACASSAGNE – França – “A sociedade tem os criminosos que merece.

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Imagem: Darlan M Cunha

VINCENT (Starry, starry night) >>> DON MCLEAN >>> (EUA): https://www.youtube.com/results?search_query=vincent+starry+starry+night